IGUALDADE AOS HOMENS É AVANÇO OU RETROCESSO?
Leonardo Montenegro
INTRODUÇÃO
A luta das mulheres pela conquista de mais espaço na
sociedade, seja no cenário social ou familiar é uma constante. Durante muito
tempo negou-se às mulheres, por exemplo, o direito à própria cidadania, sendo
que somente na década de 1960, com o Estatuo da Mulher Casada, a mulher
brasileira conquista finalmente o direito a trabalhar sem necessitar da
autorização marital. Do ponto de vista previdenciário, a batalha das mulheres
não foi e não é diferente, pois os avanços na ampliação dos direitos só
existiram em razão de muita luta, entretanto, a reforma da previdência proposta
pelo atual governo através da emenda constitucional - PEC 287/2016 poderá
resultar num grande retrocesso nos direitos conquistados pelas mulheres que
possuem até então, um tratamento positivo e diferenciado no acesso aos
benefícios previdenciários.
BREVE HISTÓRICO DOS
AVANÇOS NOS DIREITOS TRABALHISTAS E PREVIDENCIÁRIOS DAS MULHERES
As primeiras providências quanto à proteção da mulher
remontam ao final do século 19 e começo do século 20. Desde então, a
necessidade de proteger a mulher por ocasião do parto e resguardar seu emprego
antes e depois do mesmo, protegendo-a de possíveis prejuízos materiais, tem
sido reconhecida nas constituições de diversos países, como também, em termos
mais amplos, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948 (art. 25,
parágrafo 2o ).
A questão da inserção da mulher nas questões referentes
à seguridade social no Brasil está intimamente ligada aos avanços alcançados
por elas mediante a intensificação da sua presença no mercado de trabalho. Até
a década de 60 não foram feitas diferenciações significativas quanto ao
critério de concessão dos benefícios previdenciários entre os sexos. Foi apenas
com a promulgação da Lei Orgânica da Previdência Social (Lops) na década de 60
e a posterior criação do Instituto Nacional da Previdência Social (INPS),
atuando no sentido de unificação do sistema, que começaram a ser adotadas
medidas de diferenciação entre os gêneros. Essas medidas evoluíram ao longo das
últimas décadas. A Lei 8213/91 dispõe sobre o Plano de Benefícios da
Previdência Social e estabelece diferenças pontuais relacionadas à segurada.
Observa-se que as principais diferenças entre homens e mulheres atualmente
existentes, quanto a benefícios previdenciários, encontram-se nos seguintes
pontos:
• Tempo de serviço — No regime geral, as mulheres
podem se aposentar por tempo de serviço, de forma proporcional, com 25 anos e
de forma integral, com 30 anos de serviço. Em ambas as condições os homens só
têm direito a este benefício com cinco anos a mais de tempo efetivo de serviço.
Em condições especiais, a única profissão que mantém a diferença é a dos
professores do ensino básico e fundamental. Neste caso, as mulheres podem se
aposentar, com vencimentos integrais (a menos do fator previdenciário), aos 25
anos de serviço, enquanto os homens só o podem fazer com 30 anos.
• Idade — No regime geral, este benefício
(aposentadoria por idade) pode ser concedido aos homens rurais com 60 anos e
aos homens urbanos com 65 anos. Para as mulheres, as idades são de 55 anos
(rurais) e 60 anos (urbanas).
• Maternidade — Esse benefício corresponde a uma prestação
pecuniária substitutiva do salário por 120 (cento e vinte) dias para que fique
junto ao filho, benefício com início até 28 dias anteriores ao parto.
Corresponde a uma licença com valor equivalente à remuneração integral da
atividade no último mês antes da licença.
Ressalte-se que as diferenças biológicas entre os
sexos, para efeitos de previdência social, ligam-se primordialmente à
reprodução. Cabendo à mulher, na procriação, funções como a gestação e a
amamentação dos filhos, as quais demandam tempo e cuidados médicos durante a
gravidez e no período pós-natal. É, então, vista como natural a existência de
benefícios diferenciados que assegurem proteção à mulher no desempenho dessas
funções.
AS PRINCIPAIS MUDANÇAS
PROPOSTAS NA PEC 287
·
Fim da aposentadoria por tempo de contribuição e estabelecimento de
idade mínima no âmbito do RGPS;
·
Reajuste automático da idade mínima;
·
Aumento de 15 para 25 anos o tempo mínimo para ter direito ao benefício
·
Fim de diferenças importantes entre homens e mulheres e urbano e rural;
·
Alteração da aposentadoria especial e fim do tratamento diferenciado
para professores;
·
Alteração na regra de cálculo dos benefícios – exigindo 49 anos de
contribuição para ter o benefício integral;
·
Alterações nas regras de cálculo e de acumulação para a pensão
por morte;
·
Instituição obrigatória da previdência complementar (podendo ser
aberta) no RPPS e do “teto” do RGPS para novos servidores públicos;
·
Regras de transição apenas para as mulheres com mais de 45 anos e
homens com mais de 50 anos (pedágio de 50% sobre o tempo de contribuição que
faltava na data de promulgação da reforma).
A PEC 287 unifica as regras para todos os segmentos:
homens e mulheres, rurais e urbanos, trabalhadores privados e servidores
públicos. Ao eliminar o bônus concedido às mulheres no tempo de contribuição e
idade de aposentadoria, os formuladores da reforma desconsideram as condições
desfavoráveis enfrentadas por elas no mercado de trabalho e a dupla jornada que
realizam, tendo em vista a quantidade de horas por semana dedicadas aos
afazeres domésticos e ao cuidado com os filhos. Ainda mais grave é a situação
da mulher que trabalha no meio rural, submetida a rotinas penosas que
interferem na saúde e reduzem sua capacidade produtiva prolongada e a própria
expectativa de vida. Agora, a mulher no meio rural também deverá contribuir
mensalmente durante 50 anos para ter aposentadoria integral aos 65 anos, apesar
de ser altamente improvável que ela possa beneficiar-se da aposentadoria, em
função das características da atividade rural.
As desigualdades entre homens e mulheres ainda são uma forte característica do nosso mercado de trabalho. Quando se lançam no mercado de trabalho, as mulheres têm maiores dificuldades do que os homens para encontrar emprego; e, quando encontram, experimentam menores jornadas, inserções mais precárias e remunerações mais baixas. Essas desigualdades se explicam, como já dito, pela responsabilidade das mulheres no trabalho doméstico não remunerado e pelas atividades relacionadas à reprodução, que as exclui por longos períodos do mercado, dificultando o acesso a empregos e à valorização profissional. Segundo os dados da Pnad-IBGE em 2014, a parcela da população feminina em idade ativa que trabalhava ou estava à procura de trabalho era 57% (79,2% no caso dos homens). A taxa de desemprego entre as mulheres (8,7%) era superior à dos homens (5,2%). Mesmo sendo mais escolarizadas, as mulheres tinham rendimento médio mensal menor (R$ 1.250,00) que os homens (R$ 1.800,00).
As desigualdades entre homens e mulheres ainda são uma forte característica do nosso mercado de trabalho. Quando se lançam no mercado de trabalho, as mulheres têm maiores dificuldades do que os homens para encontrar emprego; e, quando encontram, experimentam menores jornadas, inserções mais precárias e remunerações mais baixas. Essas desigualdades se explicam, como já dito, pela responsabilidade das mulheres no trabalho doméstico não remunerado e pelas atividades relacionadas à reprodução, que as exclui por longos períodos do mercado, dificultando o acesso a empregos e à valorização profissional. Segundo os dados da Pnad-IBGE em 2014, a parcela da população feminina em idade ativa que trabalhava ou estava à procura de trabalho era 57% (79,2% no caso dos homens). A taxa de desemprego entre as mulheres (8,7%) era superior à dos homens (5,2%). Mesmo sendo mais escolarizadas, as mulheres tinham rendimento médio mensal menor (R$ 1.250,00) que os homens (R$ 1.800,00).
Cerca de 90% das mulheres ocupadas em atividades
urbanas em 2014 cuidavam dos afazeres domésticos (52%, entre homens ocupados).
Na agricultura, 96% das mulheres ocupadas cuidavam dos afazeres domésticos (48%
dos homens ocupados). As mulheres ocupadas dedicam, em média, 19,21 horas por
semana aos afazeres domésticos; os homens, apenas 5,1 horas. Somando a jornada
de trabalho e a jornada de afazeres domésticos, as mulheres trabalhavam mais
(54,7 horas semanais) que os homens (46,7 horas semanais), exatas 8 horas a cada
semana.
Em decorrência dos piores rendimentos e de inserções
mais precárias no mercado de trabalho, 48,3% dos benefícios previdenciários
concedidos para mulheres são de até um salário mínimo (23,9%, no caso dos
homens). A aposentadoria por idade é a modalidade mais acessada por elas,
devido à dificuldade para acumular anos de contribuição. Em 2014, 64,5% das
aposentadorias concedidas para mulheres foram por idade (apenas 36,1% para os
homens). O aumento de 15 para 25 anos do tempo mínimo de contribuição na
aposentadoria por idade trará maiores dificuldades às mulheres. Num exercício
simples com as médias nacionais, podemos pensar numa situação, tomando como
base as jornadas totais de trabalho atualmente (Pnad, 2014) de homens e
mulheres ocupados/as com 16 anos ou mais de idade:
- Se consideramos as atuais idades médias de entrada
no mercado de trabalho de homens e mulheres – 16,1 e 17,1 anos respectivamente
–, tem-se que, ao se aposentarem ambos com 65 anos de idade, as mulheres terão
trabalhado 9,6 anos a mais que os homens. Essas diferenças justificam a atual
regra, que define que as mulheres podem aposentar-se cinco anos antes dos
homens. O exercício evidencia a significativa e persistente desigualdade no
tempo dedicado ao trabalho doméstico não remunerado por mulheres e homens. A
regra diferente reconhece, portanto, uma desigualdade marcante em nossa
sociedade, no que diz respeito à divisão do trabalho pelos sexos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Da análise da previdência social por sexo, seja no
Brasil, seja em outros países, percebe-se que as mulheres estão, aparentemente,
em piores condições, isto é, recebem benefícios em condições menos
privilegiadas (aposentadoria por idade versus aposentadoria por tempo de
serviço, por exemplo) e com valores mais baixos que os auferidos pelos homens.
No entanto, tal situação, antes de refletir injustiças na concessão dos
benefícios, revela a maior precariedade da condição feminina no mercado de
trabalho, tanto em termos ocupacionais, como em termos salariais. A permanência
da mulher por maior tempo no mercado informal, a inserção em ocupações de menor
qualidade e remuneração acabam por definir a situação da mulher, em termos
previdenciários, ao final de sua vida ativa.
Pelo exposto, fica claro o valor significativo do trabalho
da mulher. Seja jornada dupla, trabalho- casa ou trabalho-escola, é componente
básico para manutenção da família. Resta então, ao poder público, garantir que
essa trabalhadora, já infligida pelos percalços “naturais” decorrentes de seu
trabalho, seja orientada e protegida quanto aos seus direitos previdenciários. Entretanto,
não é isto o que está sendo proposto através da reforma da previdência (PEC
287/2016), pelo contrário, as novas regras colocarão fim as especificidades que
marcam as vidas das mulheres em nossa sociedade e contribuirão com o
retrocesso, aumentando ainda mais a desigualdade em relação aos homens.
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REFERÊNCIAS
GOMES, Renata Raupp. Os
“Novos” Direitos na Perspectiva Feminina: a Constitucionalização dos Direitos
das Mulheres.
IPEA. Texto para Discussão 867. “MULHER E PREVIDÊNCIA SOCIAL: O BRASIL E O MUNDO”, março de 2002.
DIEESE/ ANFIP.
Previdência: reformar para excluir? Contribuição técnica ao debate sobre a
reforma da previdência social brasileira - Brasília; 2017